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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Poesia CESÁRIO VERDE

Para aqueles que se interessaram pela poesia de Cesário Verde, este poeta que, sendo Realista, não se prendeu nem se esgostou nisso, fica um trecho que é belíssimo por si só, e que não precisa de explicação:

Mas tu agora nunca, ah! Nunca mais te sentas
Nos bancos de tijolo em musgo atapetados,
E eu não te beijarei, às horas sonolentas,
Os dedos de marfim, polidos e delgados...

(...)
E tudo enfim passou, passou como uma pena
Que o mar leva no dorso exposto aos vendavais,
E aquela doce vida, aquela vida amena,
Ah! Nunca mais virá, meu lírio, nunca mais! 



Para estes que se sentiram inebriados com a presença destes versos, vale a pena conferir O Livro de Cesário Verde, principalmente os quatro primeiros poemas d'O Sentimento dum Ocidental, que foram inclusos pelo grande crítico, Massaud Moisés, em seu livro "A literatura portuguesa através dos textos". Boa leitura!

Poesia GUERRA JUNQUEIRO


A Árvore do Mal
Por baixo do azul sereno, entre a fragrância
         Dos mirtos, dos rosais,
Viviam numa doce e numa eterna infância
         Nossos primeiros pais.

Seus corpos juvenis, mais alvos do que a Lua,
         Mais puros do que os diamantes,
Conservavam ainda a virgindade nua
         Das coisas ignorantes.

Pôs Deus nesse jardim com sua mão astuta
         Ao lado da inocência
A Árvore do Mal que produzia a fruta
         Venenosa da ciência.

E, apesar de conter venenos homicidas
         E o germe do pecado,
Era Deus quem comia à noite, às escondidas,
         Esse fruto vedado.

Por isso Jeová tinha ciência infinda,
         Tinha um poder secreto,
E Adão que não provara os frutos era ainda
         Um anjo analfabeto.

Eva colheu um dia o belo fruto impuro,
         O fruto da Razão.
Nesse instante sublime Eva tinha o Futuro
         Na palma da sua mão!

O homem, abandonado a submissão covarde,
         Viu o fruto e comeu.
Esse fruto é a Luz que a Júpiter mais tarde
         Roubará Prometeu.

E ao ver igual a si a estátua que criara,
         O homem réprobo e nu,
Jeová exclamou: «Maldita seja a seara
         Cuja semente és tu!»

Veio depois a Igreja e repetiu aos crentes
         De toda a humanidade:
«Maldito seja sempre o que enterrar os dentes
         Nos frutos da verdade!»

A Igreja permitia esse vedado pomo
         Somente aos sacerdotes.
Da árvore do mal fugia o mundo, como
         Os lobos dos archotes.

Se o sábio que buscava o oiro nas retortas
         Ia como um ladrão
Roubar timidamente, à noite, às horas mortas,
         Algum fruto do chão,

Tiravam-lhe da boca esse fruto daninho
         Duma maneira suave:
Atando-lhe à garganta uma corda de linho
         Suspensa duma trave.

Um dia um visionário, alma vertiginosa,
         Espírito imortal,
Foi deitar-se, que horror! à sombra temerosa
         Da Árvore do Mal.

A Igreja ao ver aquela intrépida heresia
         Lança-lhe excomunhões;
Tomba por terra um fruto... e Newton descobria
         A lei das atracções!

Sacudi, sacudi a árvore maldita,
         Que os astros tombarão,
Como se sacudisse a abóbada infinita
         Deus com a própria mão!

E quando o mundo inteiro enfim houver comido
         Até à saciedade
O fruto que lhe estava há tanto proibido,
         O fruto da Verdade,

Homens, dizei então a Jeová: -- «Tirano,
         Vai-te embora daqui!
Contruímos de novo o paraíso humano;
         Fizémo-lo sem ti.

Expulsaste do Olimpo a humanidade outrora,
         Ó déspota feroz;
Pois bem: o Olimpo é nosso, e Jeová, agora
         Expulsamos-te nós!»

                                             Guerra Junqueiro. A velhice do padre eterno

Madame Bovary - Tarefa (2º ano)

Olá, queridos alunos. Nossa tarefa da semana consiste na análise dos trechos em questão do romance fundador do Realismo, Madame Bovary, do francês Gustave Flaubert. Após a leitura dos trechos, responda às questões que seguem:


Antes de se casar, julgara sentir amor; mas, como a ventura resultante desse amor não aparecia, com certeza se enganara, pensava ela. E procurava saber qual era, afinal, o significado certo, nesta vida, das palavras “felicidade”, “paixão” e “embriaguez”, que nos livros pareciam tão belas. [...]

Quanto mais próximas ficavam as coisas, mais o seu pensamento se afastava delas. Tudo o que a rodeava de perto, os campos enfadonhos, os burguesinhos imbecis, a mediocridade da existência, parecia-lhe uma exceção no mundo, um caso particular em que se achava envolvida, ao passo que para além se estendia, a perder de vista, o imenso país da felicidade e das paixões. Confundia, no desejo, a sensualidade do luxo com as alegrias do coração, a elegância dos hábitos com a delicadeza dos sentimentos.[...]

Charles gozava de boa saúde e tinha ótimo aspecto; a sua reputação estava definitivamente firmada. Os camponeses gostavam dele porque não era orgulhoso. Agradava as crianças, não entrava nunca nas tabernas e, além disso, inspirava confiança pela sua conduta. […]

[…] Charles, porém, não tinha ambições!  Um médico de Yvetot, com quem se encontrara em conferência, humilhara-o um pouco, na própria cabeceira do doente e na presença dos parentes reunidos. Quando Charles contou, à noite, esse fato, Emma exaltou-se em voz alta contra o colega. Charles sentiu-se enternecido com isso e deu-lhe um beijo acompanhado de uma lágrima. Ela, porém, estava exasperada de vergonha; a sua vontade era de espancá-lo, mas se levantou, dirigiu-se ao corredor, abriu a janela e aspirou o ar fresco, para se acalmar.

-- Pobre-diabo! Pobre-diabo! – dizia ela em voz baixa, mordendo o lábio.

Sentia-se cada vez mais irritada. A idade ia-o tornando pesadão; à sobremesa divertia-se em cortar as rolhas das garrafas vazias e, depois de comer, passada a língua pelos dentes, ao engolir a sopa, fazia um gorgolejo em cada gole e, como começasse a engordar, os olhos, já por si tão pequenos, pareciam ter sido empurrados pelas bochechas.

Emma, às vezes, metia-lhe para dentro do colete a fralda vermelha da camisa, arrumava-lhe a gravata ou punha fora as luvas desbotadas, que ele pretendia calçar; e isso não era por ele, como Charles pensava, mas por ela mesma, por expansão de egoísmo, por irritação nervosa.

FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Tradução: Enrioco Corvisieri. Porto Alegre: L&PM, 2003.

Exercícios:
1. Com o surgimento do Realismo na Europa, os romances de costumes passam a retratar as personagens e suas relações de modo mais distanciado e objetivo. No trecho acima, Emma Bovary, personagem principal do romance, mostra seu descontentamento diante da vida de casada.

a) Transcreva a passagem que revela os sentimentos de Emma em relação ao local em que vive com o marido.

b) Como ela se sente morando nessa pequena vila no interior da França? Que imagem faz do lugar?

c) De que maneira a linguagem usada traduz para o leitor os juízos de valor de Emma? 

2. Leve em consideração o seguinte trecho: "Acaso não necessita o amor, como certas plantas, terreno preparado, temperatura especial?". A partir dele, desenvolva um texto no qual você reflita acerca do significado dessa frase. Para isso, leve em consideração tanto o que se aprendeu sobre o Realismo, quanto a sua própria experiência de vida. Máximo de 15 linhas.

domingo, 23 de janeiro de 2011

O que é o Realismo na Literatura? (2º ano)

Olá, queridos alunos do 2º ano. Vamos ler um pouco!?

Após entendermos quais são as características do Realismo, é hora de vermos como isso se dá na prática.

Segue-se um fragmento do conto O escrivão Coimbra, do escritor realista Machado de Assis.

[...] Aparentemente há poucos espetáculos tão melancólicos como um ancião comprando um bilhete de loteria. Bem considerado, é alegre; essa persistência em crer, quando tudo se ajusta ao descrer, mostra que a pessoa é ainda forte e moça. Que os dias passem e com eles os bilhetes brancos, pouco importa; o ancião estende os dedos para escolher o número que há de dar a sorte grande amanhã, – ou depois, – um dia, enfim, porque todas as coisas podem falhar neste mundo, menos a sorte grande a quem compra um bilhete com fé.
 

Não era a fé que faltava ao escrivão Coimbra. Também não era a esperança. Uma coisa não vai sem a outra. Não confundas a fé na Fortuna com a fé religiosa. Também tivera esta em anos verdes e maduros, chegando a fundar uma irmandade, a irmandade de S. Bernardo, que era o santo de seu nome; mas aos cinquenta, por efeito do tempo ou de leituras, achou-se incrédulo. Não deixou logo a irmandade; a esposa pôde contê-lo no exercício do cargo de mesário e levava-o às festas do santo; ela, porém, morreu, e o viúvo rompeu de vez com o santo e com o culto. Resignou o cargo da mesa e fez-se irmão remido para não tornar lá. Não buscou arrastar outros e nem obstruir o caminho da oração; ele é que já não rezava por si nem por ninguém. Com amigos, se eram do mesmo estado de alma, confessava o mal que sentia da religião. Com familiares, gostava de dizer pilhérias sobre devotas e padres.
 

Aos sessenta anos já não cria em nada, fosse do céu ou da terra, exceto a loteria. A loteria, sim, tinha toda sua fé e esperança. Poucos bilhetes comprava a princípio, mas a idade, e depois a solidão, vieram apurando aquele costume e o levaram a não deixar passar loteria sem bilhete.             
                                                      ASSIS, Machado de. Machado para a juventude. Rio de Janeiro: Lia Editor S.A., 1978. Fragmento.

 Esse trecho permite-nos perceber algumas marcas típicas do estilo realista:
* descrição detalhada das ações e das razões que justificam as atitudes de personagens;
* crítica e ironia;
* descrença na religião;
* visão objetiva/ in natura sobre a realidade da vida.

E aí, surgiu alguma dúvida? Deixe uma questão abaixo que eu lhe responderei.

Um beijo e um queijo.

Leitura d"O PEQUENO PRÍNCIPE" - 1º Ano

Olá, pessoal. Nossa primeira leitura, que deve ocorrer no mês de fevereiro, será da obra O pequeno príncipe, do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry. Para tal, vocês poderam utilizar um dos links disponibilizados abaixo, pois eles contêm a obra integral, incluindo as aquarelas feitas pelo próprio autor. Logo em seguida, disponiblizo um pequeno resumo do livro, desenvolvido por Gylmara de Araújo Pereira (UFPB), sob orientação do Prof. Dr. Thiago Antônio Avellar de Aquino, da mesma UFPB.


ou


ANÁLISE EXISTENCIAL DO LIVRO O PEQUENO PRÍNCIPE
Gylmara de Araújo Pereira (mestranda em Ciências das Religiões – UFPB) e
Thiago Antônio Avellar de Aquino (Profº da UFPB e Doutor em Psicologia Social)


O livro narra a busca do pequeno príncipe por um sentido. No início ele conheceu e cuidou de uma rosa (autotranscendência), que era bela e envolvente, mas ao mesmo tempo era vaidosa e orgulhosa. A partir do momento que ela mentiu sobre sua origem, ele ficou frustrado. Entristecido, o principezinho experimentou o vazio existencial e resolveu deixar a rosa e buscar uma solução para seu problema em outros planetas. Lá conheceu um rei, um vaidoso, um bêbado, um empresário, um acendedor de lampião, um geógrafo, um vendedor de pílulas e um manobreiro de trem. Na Terra conheceu um piloto e tornaram-se grandes amigos. Por fim, o principezinho conheceu uma raposa que o ensinou qual o significado da amizade e responsabilidade, ao ponto de fazê-lo encontrar o sentido.

P.S. Após a leitura, a classe será dividida em grupos e nós faremos debates e proporemos um trabalho escrito.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A POESIA (Melopeia, Fanopeia, Logopeia)

Em sentido restrito, os antigos entendiam por poesia ("poíesis") a habilidade de construir bem uma composição de palavras. É ainda esse o sentido básico do vocábulo na atualidade, que enfatiza a noção de poesia como arte de refinada construção verbal.

O objeto inventado pela poesia chama-se poema, de modo que este vem a ser um artefato, isto é, o produto acabado resultante do fazer artístico. Poema é a obra de arte verbal realizada concretamente.

Poética é o nome da disciplina que estuda a poesia e suas obras, considerando o que elas têm de específico, ou seja, aquilo que lhes é próprio: o poético. Este, por sua vez, é constituído dos elementos fundamentais do poema; o poético é matéria da poesia, é tudo aquilo de que ela pode falar e o modo como ela fala num poema.

Todos esses elementos devem ser conhecidos para que avancemos em nossos estudos.

São três os elementos básicos que constituem  um poema, tradicionalmente escrito em versos:

1) som -- elemento musical: sistema de harmonias, ritmos e melodias criados pelas palavras;

2) imagem -- dados visuais de um poema;

3) pensamento -- estrutura intelectual de escolha, combinação e disposição de palavras para a expressão de conteúdos: ideias, sensações sentimentos etc.

Esses três elementos fundamentais do poema chamam-se melopeia, fanopeia e logopeia, respectivamente.

Melopeia é a música de palavras, é o conjunto de técnicas aplicadas para criar efeitos acústicos por meio da palavras. Ela insere o poema no tempo, mas o leva a sobrepor-se à cronologia, segundo Ezra Pound (1882-1972).

Fanopeia é matéria visual do poema, é o conjunto de técnicas aplicadas para criar imagens que afetam a imaginação visual. A fanopeia configura o poema no espaço físico e imaginário, mas o faz transpor fronteiras.

Logopeia é a matéria intelectual do poema; é o elemento que se revela na sintaxe do texto, na lógica de sua organização, em sua carga semântica, nas referências e influências artísticas e culturais que contém. Por meio da logopeia o poema viaja no tempo e no espaço, dialogando com a memória da civilização.

Desse modo, chama-se poesia de melopeia àquela em que predomina o elemento sonoro, poesia de fanopeia à que tem a imagem como elemento principal e poesia de logopeia àquela em que prevalece o elemento intelectual.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Classificação das rimas

Olá, hoje nós vamos abordar a técnica de construção e classificação de rimas em um poema, isto é, nossa análise será sobre a forma do poema, não sobre o tema.

Rima é a concordância sonora que ocorre entre palavras e expressões, verificada nas últimas vogais tônicas de cada uma delas. As rimas podem ser classificadas:

a) de acordo com a acentuação: quando a aproximação sonora se dá entre palavras proparoxítonas, como amoníaco / zodíaco, a rima é chamada esdrúxula; quando entre palavras paroxítonas, como agreste / veste, é chamada rima grave; entre oxítonas, como fez / inglês, chama-se rima aguda;

b) de acordo com a extensão: quando a similaridade sonora é total a partir das última vogais tônicas, como nos três exemplos acima, a rima chama-se consoante; caso a semelhança seja parcial, como em bela / fera ou luta / dura, a rima chama-se toante;

c) de acordo com o vocabulário: quando a rima se dá entre palavras de mesma classe gramatical, como amoníaco / zodíaco (substantivos), ela é denominada rima pobre; chama-se rima rica quando as palavras são de classes gramaticais diferentes, como em agreste / veste (substantivo e verbo); ainda há a rima rara, feita com palavras de difícil combinação sonora, como orifício e cisne, e a rima preciosa, em que as palavras rimadas são forçadas, como se vê na rima apodrece / s:

Toma conta do corpo que apodrece...
E até os membros da família engulham,
Vendo as larvas malignas que se embrulham
No cadáver malsão, fazendo um s.
                             Augusto dos Anjos

d) de acordo com a disposição:
1- rima interna (ou interior): quando a paridade sonora está contida em palavras que se encontram no mesmo verso, ou quando a palavra final de um verso rima com a expressão inicial do verso seguinte, ou, ainda, entre palavras dispostas no meio de versos diferentes. Vejamos os exemplos do primeiro e do segundo caso:

        Braços nervosos, brancas opulências,
        Brumais brancuras, fúlgidas brancuras,
        Alvuras castas, virginais alvuras,
        Lactescências das raras lactescências.
                                                  "Braços." Cruz e Sousa

O poeta Jorge de Lima nos dá um exemplo do terceiro caso:

        Olhos, olhos de boi pendidos vertem
        prantos por quem se foi. Ouvidos ouvem,
        calam. Crepes enlutam as janelas.
        Fundas ouças escutam seus gemidos.

2- rimas emparelhadas ou paralelas (aabb)

        Vagueio campos noturnos            a
        Muros soturnos                           a
        Paredes de solidão                      b
        Sufocam minha canção.               b
                          Ferreira Gullar

3- rimas cruzadas ou alternadas (abab)

        Se o casamento durasse                a 
        Semanas, meses fatais                  b
        Talvez eu me balançasse               a
        Mas toda a vida... é demais!         b
                                Afonso Celso

4- rimas enlaçadas ou opostas ou interpoladas (abba)

        Não sei quem seja o autor             a
        Desta sentença de peso                 b
        O beijo é um fósforo aceso            b
        Na palha seca do amor!                 a
                                    B. Tigre

e) versos que não apresentam rima: versos brancos ou soltos são os que não apresentam rima final.

       Fabrico um elefante branco
       de meus poucos recursos.
       Um tanto de madeira podre
       tirado a velhos móveis
       talvez lhe dê apoio.
       E o encho de algodão,
       de paina, de doçura. (...)
                      Carlos Drummond de Andrade

sábado, 8 de janeiro de 2011

MÉTRICA (Principais metros)

Como já vimos, verso é uma linha de texto que, após atingir uma determinada medida, volta ao ponto de partida de contagem na linha seguinte para iniciar uma outra sequência de palavras, também portadora de medida. Na poesia de língua portuguesa, essa medida é dada pelo número de sílabas poéticas do verso.
Os versos praticados em nossa língua chamam-se metros. Eles variam segundo o número de sílabas que contêm. A verificação da métrica se faz pela escansão, ou seja, pela decomposição dos versos em sílabas poéticas.
EXERCÍCIO:
No poema que segue, do poeta romântico Gonçalves Dias, temos exemplos de quase todos os metros utilizados em nossa língua. Façamos então a escansão desses versos a fim de descobrir e classificar essa métrica. Mãos à obra!
               
A TEMPESTADE (Gonçalves Dias)
Quem porfiar contigo... ousara
Da glória o poderio;
Tu que fazes gemer pendido o cedro
Turbar-se o claro rio?
                                                                                              A. HERCULANO
                                                                  Um raio
                                                                  Fulgura
                                                                  No espaço
                                                                  Esparso,
                                                                  De luz;
                                                                  E trêmulo
                                                                  E puro
                                                                  Se aviva,
                                                                  S’esquiva,
                                                                  Rutila,
                                                                  Seduz!

                                                        Vem a aurora
                                                        Pressurosa,
                                                        Cor-de-rosa,
                                                        Que se cora
                                                        De carmim;
                                                        A seus raios
                                                        As estrelas,
                                                        Que eram belas,
                                                        Têm desmaios,
                                                        Já por fim.

                                                 O sol desponta
                                                 Lá no horizonte,
                                                 Doirando a fonte,
                                                 E o prado e o monte
                                                 E o céu e o mar;
                                                 E um manto belo
                                                 De vivas cores
                                                 Adorna as flores,
                                                 Que entre verdores
                                                 Se vê brilhar.

                                                 Um ponto aparece,
                                                 Que o dia entristece,
                                                 O céu, onde cresce,
                                                 De negro a tingir;
                                                 Oh! vede a procela
                                                 Infrene, mas bela,
                                                 No ar s’encapela
                                                 Já pronta a rugir!

                                     Não solta a voz canora
                                     No bosque o vate alado,
                                     Que um canto d’inspirado
                                     Tem sempre a cada aurora;
                                     E mudo quanto habita
                                     Da terra n’amplidão.
                                     A coma então luzente
                                     Se agita do arvoredo,
                                     E o vate um canto a medo
                                     Desfere lentamente,
                                     Sentindo opresso o peito
                                     De tanta inspiração.

                                                            Fogem do vento que ruge
                                                            As nuvens aurinevadas,
                                                            Como ovelhas assustadas
                                                            Dum fero lobo cerval;
                                                            Estilham-se como as velas
                                                            Que no alto mar apanha,
                                                            Ardendo na usada sanha,
                                                            Subitâneo vendaval.

                                                 Bem como serpentes que o frio
                                                 Em nós emaranha, – salgadas
                                                 As ondas s’estranham, pesadas
                                                 Batendo no frouxo areal.
                                                 Disseras que viras vagando
                                                 Nas furnas do céu entreabertas
                                                 Que mudas fuzilam, – incertas
                                                 Fantasmas do gênio do mal!

                                         E no túrgido ocaso se avista
                                         Entre a cinza que o céu apolvilha,
                                         Um clarão momentâneo que brilha,
                                         Sem das nuvens o seio rasgar;
                                         Logo um raio cintila e mais outro,
                                         Ainda outro veloz, fascinante,
                                         Qual centelha que em rápido instante
                                         Se converte d’incêndios em mar.

                             Um som longínquo cavernoso e ouco
                             Rouqueja, e n’amplidão do espaço morre;
                             Eis outro inda mais perto, inda mais rouco,
                             Que alpestres cimos mais veloz percorre,
                             Troveja, estoura, atroa; e dentro em pouco
                             Do norte ao sul, – dum ponto a outro corre:
                             Devorador incêndio alastra os ares,
                             Enquanto a noite pesa sobre os mares.
                             Nos últimos cimos dos montes erguidos
                             Já silva, já ruge do vento o pegão;
                             Estorcem-se os leques dos verdes palmares,
                             Volteiam, rebramam, doudejam nos ares,
                             Até que lascados baqueiam no chão.

                                      Remexe-se a copa dos troncos altivos,
                                      Transtorna-se, tolda, baqueia também;
                                      E o vento, que as rochas abala no cerro,
                                      Os troncos enlaça nas asas de ferro,
                                      E atira-os raivoso dos montes além.

                                           Da nuvem densa, que no espaço ondeia,
                                           Rasga-se o negro bojo carregado,
                                           E enquanto a luz do raio o sol roxeia,
                                           Onde parece à terra estar colado,
                                           Da chuva, que os sentidos nos enleia,
                                           O forte peso em turbilhão mudado,
                                           Das ruínas completa o grande estrago,
                                           Parecendo mudar a terra em lago.

                                                   Inda ronca o trovão retumbante,
                                                   Inda o raio fuzila no espaço,
                                                   E o corisco num rápido instante
                                                   Brilha, fulge, rutila, e fugiu.
                                                   Mas se à terra desceu, mirra o tronco,
                                                   Cega o triste que iroso ameaça,
                                                   E o penedo, que as nuvens devassa,          
                                                   Como tronco sem viço partiu.
                                                  
                                                   Deixando a palhoça singela,
                                                   Humilde labor da pobreza,
                                                   Da nossa vaidosa grandeza,
                                                   Nivela os fastígios sem dó;
                                                   E os templos e as grimpas soberbas,
                                                   Palácio ou mesquita preclara,
                                                   Que a foice do tempo poupara,
                                                   Em breves momentos é pó.

                                                         Cresce a chuva, os rios crescem,
                                                         Pobres regatos s’empolam,
                                                         E nas turvas ondas rolam
                                                         Grossos troncos a boiar!
                                                         O córrego, qu’inda há pouco
                                                         No torrado leito ardia,
                                                         É já torrente bravia,
                                                         Que da praia arreda o mar.

                                                                    Mas ai do desditoso,
                                                                    Que viu crescer a enchente
                                                                    E desce descuidoso
                                                                    Ao vale, quando sente
                                                                    Crescer dum lado e d’outro
                                                                    O mar da aluvião!
                                                                    Os troncos arrancados
                                                                    Sem rumo vão boiantes;
                                                                    E os tetos arrasados,
                                                                    Inteiros, flutuantes,
                                                                    Dão antes crua morte,
                                                                    Que asilo e proteção!

                                                                               Porém no ocidente
                                                                               S’ergue de repente
                                                                               O arco luzente,
                                                                               De Deus o farol;
                                                                               Sucedem-se as cores,
                                                                               Qu’imitam as flores,
                                                                               Que sembram primores
                                                                               Dum novo arrebol.

                                                                                       Nas águas pousa;
                                                                                       E a base viva
                                                                                       De luz esquiva,
                                                                                       E a curva altiva
                                                                                       Sublima ao céu;
                                                                                       Inda outro arqueia,
                                                                                       Mais desbotado,
                                                                                       Quase apagado,
                                                                                       Como embotado
                                                                                       De tênue véu.

                                                                                                  Tal a chuva
                                                                                                  Transparece,
                                                                                                  Quando desce
                                                                                                  E ainda vê-se
                                                                                                  O sol luzir;
                                                                                                  Como a virgem,
                                                                                                  Que numa hora
                                                                                                  Ri-se e cora,
                                                                                                  Depois chora
                                                                                                  E torna a rir.

                                                                                                             A folha
                                                                                                             Luzente
                                                                                                             Do orvalho
                                                                                                             Nitente
                                                                                                             A gota
                                                                                                             Retrai:
                                                                                                             Vacila,
                                                                                                             Palpita;
                                                                                                             Mais grossa,
                                                                                                             Hesita,
                                                                                                             E treme
                                                                                                             E cai.