Como já vimos, verso é uma linha de texto que, após atingir uma determinada medida, volta ao ponto de partida de contagem na linha seguinte para iniciar uma outra sequência de palavras, também portadora de medida. Na poesia de língua portuguesa, essa medida é dada pelo número de sílabas poéticas do verso.
Os versos praticados em nossa língua chamam-se metros. Eles variam segundo o número de sílabas que contêm. A verificação da métrica se faz pela escansão, ou seja, pela decomposição dos versos em sílabas poéticas.
EXERCÍCIO:
No poema que segue, do poeta romântico Gonçalves Dias, temos exemplos de quase todos os metros utilizados em nossa língua. Façamos então a escansão desses versos a fim de descobrir e classificar essa métrica. Mãos à obra!
A TEMPESTADE (Gonçalves Dias)
Quem porfiar contigo... ousara
Da glória o poderio;
Tu que fazes gemer pendido o cedro
Turbar-se o claro rio?
Da glória o poderio;
Tu que fazes gemer pendido o cedro
Turbar-se o claro rio?
A. HERCULANO
Um raio
Fulgura
No espaço
Esparso,
De luz;
E trêmulo
E puro
Se aviva,
S’esquiva,
Rutila,
Seduz!
Fulgura
No espaço
Esparso,
De luz;
E trêmulo
E puro
Se aviva,
S’esquiva,
Rutila,
Seduz!
Vem a aurora
Pressurosa,
Cor-de-rosa,
Que se cora
De carmim;
A seus raios
As estrelas,
Que eram belas,
Têm desmaios,
Já por fim.
O sol desponta
Lá no horizonte,
Doirando a fonte,
E o prado e o monte
E o céu e o mar;
E um manto belo
De vivas cores
Adorna as flores,
Que entre verdores
Se vê brilhar.
Um ponto aparece,
Que o dia entristece,
O céu, onde cresce,
De negro a tingir;
Oh! vede a procela
Infrene, mas bela,
No ar s’encapela
Já pronta a rugir!
Não solta a voz canora
No bosque o vate alado,
Que um canto d’inspirado
Tem sempre a cada aurora;
E mudo quanto habita
Da terra n’amplidão.
A coma então luzente
Se agita do arvoredo,
E o vate um canto a medo
Desfere lentamente,
Sentindo opresso o peito
De tanta inspiração.
Fogem do vento que ruge
As nuvens aurinevadas,
Como ovelhas assustadas
Dum fero lobo cerval;
Estilham-se como as velas
Que no alto mar apanha,
Ardendo na usada sanha,
Subitâneo vendaval.
Bem como serpentes que o frio
Em nós emaranha, – salgadas
As ondas s’estranham, pesadas
Batendo no frouxo areal.
Disseras que viras vagando
Nas furnas do céu entreabertas
Que mudas fuzilam, – incertas
Fantasmas do gênio do mal!
E no túrgido ocaso se avista
Entre a cinza que o céu apolvilha,
Um clarão momentâneo que brilha,
Sem das nuvens o seio rasgar;
Logo um raio cintila e mais outro,
Ainda outro veloz, fascinante,
Qual centelha que em rápido instante
Se converte d’incêndios em mar.
Um som longínquo cavernoso e ouco
Rouqueja, e n’amplidão do espaço morre;
Eis outro inda mais perto, inda mais rouco,
Que alpestres cimos mais veloz percorre,
Troveja, estoura, atroa; e dentro em pouco
Do norte ao sul, – dum ponto a outro corre:
Devorador incêndio alastra os ares,
Enquanto a noite pesa sobre os mares.
Nos últimos cimos dos montes erguidos
Já silva, já ruge do vento o pegão;
Estorcem-se os leques dos verdes palmares,
Volteiam, rebramam, doudejam nos ares,
Até que lascados baqueiam no chão.
Remexe-se a copa dos troncos altivos,
Transtorna-se, tolda, baqueia também;
E o vento, que as rochas abala no cerro,
Os troncos enlaça nas asas de ferro,
E atira-os raivoso dos montes além.
Da nuvem densa, que no espaço ondeia,
Rasga-se o negro bojo carregado,
E enquanto a luz do raio o sol roxeia,
Onde parece à terra estar colado,
Da chuva, que os sentidos nos enleia,
O forte peso em turbilhão mudado,
Das ruínas completa o grande estrago,
Parecendo mudar a terra em lago.
Inda ronca o trovão retumbante,
Inda o raio fuzila no espaço,
E o corisco num rápido instante
Brilha, fulge, rutila, e fugiu.
Mas se à terra desceu, mirra o tronco,
Cega o triste que iroso ameaça,
E o penedo, que as nuvens devassa,
Como tronco sem viço partiu.
Deixando a palhoça singela,
Humilde labor da pobreza,
Da nossa vaidosa grandeza,
Nivela os fastígios sem dó;
E os templos e as grimpas soberbas,
Palácio ou mesquita preclara,
Que a foice do tempo poupara,
Em breves momentos é pó.
Cresce a chuva, os rios crescem,
Pobres regatos s’empolam,
E nas turvas ondas rolam
Grossos troncos a boiar!
O córrego, qu’inda há pouco
No torrado leito ardia,
É já torrente bravia,
Que da praia arreda o mar.
Mas ai do desditoso,
Que viu crescer a enchente
E desce descuidoso
Ao vale, quando sente
Crescer dum lado e d’outro
O mar da aluvião!
Os troncos arrancados
Sem rumo vão boiantes;
E os tetos arrasados,
Inteiros, flutuantes,
Dão antes crua morte,
Que asilo e proteção!
Porém no ocidente
S’ergue de repente
O arco luzente,
De Deus o farol;
Sucedem-se as cores,
Qu’imitam as flores,
Que sembram primores
Dum novo arrebol.
Nas águas pousa;
E a base viva
De luz esquiva,
E a curva altiva
Sublima ao céu;
Inda outro arqueia,
Mais desbotado,
Quase apagado,
Como embotado
De tênue véu.
Tal a chuva
Transparece,
Quando desce
E ainda vê-se
O sol luzir;
Como a virgem,
Que numa hora
Ri-se e cora,
Depois chora
E torna a rir.
A folha
Luzente
Do orvalho
Nitente
A gota
Retrai:
Vacila,
Palpita;
Mais grossa,
Hesita,
E treme
E cai.
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