A palavra é matéria-prima da Literatura. Os textos literários são composições que podem se articular de dois modos: em verso e em prosa.
Texto 1
A BUNDA, QUE ENGRAÇADA
A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica
Está sempre sorrindo, nunca é trágica
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora - murmura a bunda - esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
redunda
redunda
Carlos Drummond de Andrade
Texto 2
O CORTIÇO (Aluísio Azevedo)
De cada casulo espipavam homens armados de pau, achas de lenha, varais de ferro. Um empenho coletivo os agitava agora, a todos, numa solidariedade briosa, como se ficassem desonrados para sempre se a polícia entrasse ali pela primeira vez. Enquanto se tratava de uma simples luta entre dois rivais, estava direito! ‘Jogassem lá as cristas, que o mais homem ficaria com a mulher!’ mas agora tratava-se de defender a estalagem, a comuna, onde cada um tinha a zelar por alguém ou alguma coisa querida.
Em latim, a palavra versus (verso) significa "voltado". O texto de Drummond é escrito em verso, pois, nele, o fluxo de palavras é interrompido antes que as linhas sejam preenchidas até o limite da margem direita. Já o texto de Azevedo é escrito em prosa -- em latim proversus que significa "voltado para frente" --, neste tipo de texto cada linha é uma unidade de pensamento chamada "parágrafo". Alguns deles cabem numa linha convencional, enquanto outros transbordam para as linhas seguintes, que, na verdade, são continuações da primeira.
TIPOS DE VERSO
Vejamos os dois primeiros versos do poema "Cantiga" de Luís de Camões: Caterina é mais fermosa / para mim que a luz do dia. Façamos agora a contagem das sílabas poéticas (escansão):
Ca - te - ri - na é - mais - fer - mo - sa
1 2 3 4 5 6 7
pa - ra - mim - que a - luz - do - di - a
1 2 3 4 5 6 7
Nos dois versos de Camões, observa-se que a contagem poética desprezou a última sílaba das palavras finais. Isso se deve a uma convenção na escansão de versos em português. Se a última palavra do verso for oxítona, conta-se até a última sílaba e chama-se esse verso de agudo; se paroxítona, conta-se até a penúltima e chama-se esse verso de grave; se proparoxítona, conta-se até a antepenúltima sílaba e nomeia-se esse verso de esdrúxulo. Observemos a segunda estrofe do poema "O Escândalo da Rosa", de Vinícius de Moraes, em que ocorrem esses três casos:
Que anjo ou que pássaro esdrúxulo
Roubou tua cor agudo
Que ventos passaram grave
Sobre o teu pudor agudo
SINALEFA (Contração de vogais)
A figura em que uma vogal é absorvida, na fala, por outra vogal que lhe é contígua, chama-se sinalefa, fenômeno que pode se manifestar de três modos:
a) elisão: fusão da vogal final de um vocábulo com a vogal inicial da palavra seguinte, como no exemplo: Ca-te-ri-né (= Caterina é). É possível fundir três sílabas gramaticais em uma só sílaba poética, como no caso da expressão amizade e amor (a/mi/za/de e a/mor). Se a vogal antecedente for muito forte, ou parte de ditongo, ela não se funde com a vogal seguinte, como nos exemplos: só um (só / um); viu uma (viu / uma).
b) crase: fusão de vogais de mesma natureza. Exemplos: sofre e sua (so/fre e/ su/a) ; todo o dia (to/do o/ di/a).
c) sinérese: quando duas vogais, contíguas no interior de uma mesma palavra, formam um hiato, mas fundem-se numa única sílaba poética. Por exemplo, no vocábulo "quieta", há três sílabas gramaticais -- qui-e-ta --, que podem ser contadas com duas sílabas poéticas -- quie/ta. Nesse caso, por sinérese, a vogal "i" junta-se com a vogal "e", sendo absorvida nela, desfazendo o hiato.
DIÉRESE (Separação de vogais)
Para conservar o mesmo número de sílabas nos versos de um poema, o poeta, às vezes, trata o ditongo como um hiato, dividindo suas vogais em sílabas distintas. Veja o exemplo de um trecho do poema Camões de Almeida Garret:Saudade! gosto amargo de infelizes,
Delicioso pungir de acerbo espinho,
Que me estás repassando o íntimo peito
Com dor que os seios d'alma dilacera
-- Mas dor que tem prazeres: saüdade!...
Observe que no primeiro verso a palavra "saudade" tem três sílabas (sau-da-de), enquanto no quinto verso ela é tetrassilábica (sa-ü-da-de). Nesse caso, o trema sobre a vogal "u" sinaliza a diérese.
P.S. Essa matéria teórica torna conscientes procedimentos práticos de metrificação. Porém, o melhor guia nessa matéria é o ouvido: é preciso apurá-lo para que ele seja capaz de perceber o ritmo dos versos.
gostei!obg
ResponderExcluirVolte sempre, Palloma!
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