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sábado, 19 de novembro de 2011

1º Ano - IRACEMA, José de Alencar

       Os três romances indianistas de José de Alencar O guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874) cumprem uma função ideológica, que vem a ser a de criar um mito sobre a origem do povo brasileiro. Em tais romances, o cenário e o índio surgem como essência de uma natureza paradisíaca, pura, que o branco europeu alterará com sua presença, fazendo surgir uma nova raça, um novo povo e uma nova civilização.
       Em Iracema (1865) José de Alencar, ou por ter atingido a maturidade nos temas indianistas, ou porque nessa obra não há a rigor nenhum compromisso com uma afirmação nacional pela literatura, atinge seu romance mais bem estruturado, sob o ponto de vista estético.Iracema é o exemplar mais perfeito de prosa poética de nossa ficção romântica, belíssimo exemplo do nacionalismo ufanista e indianista, com o qual Alencar contribuiu com a construção da literatura e da cultura brasileira.
No romance há um argumento histórico: a colonização do Ceará, que se deu em 1606. Nele há a presença de personagens históricos: Martim Soares Moreno, o colonizador português que se aliou aos índios Pitiguaras e Poti, Antônio Felipe Camarão. Através do romance entre Iracema e Martim, José de Alencar romantizou o processo de colonização do Ceará, simbolicamente representativo do processo de colonização do Brasil. Iracema apresenta uma espécie de conciliação entre o branco e o índio, na medida em que romantiza a dominação de um povo pelo outro. Desta forma insere nos códigos artísticos do Romantismo europeu a temática do processo de colonização do país. Com a obra se inaugura o mito heróico da pátria, de natureza indianista.
Portanto, o espaço da obra é o Estado do Ceará e o tempo é o início do século XVII.
O relacionamento amoroso entre Iracema e Martim pode ser interpretado, simbolicamente, como metáfora, como alegoria representativa do cruzamento das raças indígena e branca, ou seja, o nativo e o europeu colonizador. O desenvolvimento do enredo - ruptura de Iracema com o compromisso de virgem vestal e com sua tribo, sua entrega amorosa, seu abandono e sua morte, deixando o filho Moacir, "aquele que nasce da dor", - todos esses elementos da trama narrativa confirmam a possibilidade de leitura simbólica. A própria construção do personagem Iracema é feita a partir da natureza, de comparações com elementos da fauna e da flora americana, em geral brasileira e mais especificamente do Ceará.
A índia Iracema, que se entrega por amor a Martim, tem a função de simbolizar, no romance, a presença do elemento nacional, da cor local, existente na criação de seus traços físicos, que é feita por comparação com elementos da natureza. Embora psicologicamente Iracema se assemelhe às heroínas românticas européias, constitui, nessa fusão de elementos da cor local com elementos do romantismo europeu, um mito fundador da pátria. De acordo com o romantismo europeu, Iracema pode ser caracterizada como um exemplo de "mulher-anjo" - virgem, delicada, bela, capaz de se sacrificar pelo homem que ama, Martim. Essa característica de Iracema mostra que embora o narrador privilegie os seus sentimentos e pensamentos ao longo da história, idealizando o índio, que ela representa, o seu ponto de vista ao contar torna-se o do branco colonizador, na medida em que "europeiza" e "romantiza" Iracema.
Quanto à importância relativa das personagens, Alencar constrói uma obra inteiramente distinta de O Guarani (e também do posterior Ubirajara, que data de 1874). Em Iracema, a relação amorosa entre a jovem índia e o fidalgo português Martim domina toda a obra.
Não é difícil encontrar as fontes principais em que se inspirou Alencar: Iracema é, num certo sentido (não o da imitação, evidentemente), a transposição de Atala, de Chateaubriand, autor que Alencar confessou ter lido bastante. Temos, pois, o caso de uma composição homóloga, pois apresenta vários pontos em comum: o tema da felicidade primitiva dos selvagens, que começa a se corromper diante da primeira aproximação do civilizado; a idéia do bom selvagem; o amor de uma índia por um estrangeiro; a morte das duas heroínas, o exótico da paisagem; enfim, nas duas obras de um conflito fundamental representado pela oposição de índole dos dois mundos: o da velha civilização européia e o Novo Mundo da América. 
O romance, na definição de Machado de Assis, é uma "poema em prosa", é um poema épico-lirico (para Machado de Assis, é um poema essencialmente lírico).

IRACEMA
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graú­na e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a more­na virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do Sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orva­lho da noite. Os ramos da acácia silvestre espar­ziam flores sobre os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem, os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho; o aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce mangaba que co­rou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco e concerta com o sabiá da mata, pousa­do no galho próximo, o canto agreste.
     A graciosa ará, sua companheira e ami­ga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfu­mes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda e as tintas de que matiza o algodão.
    Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
    Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas fa­ces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
   Foi rápido, como o olhar, o gesto de Irace­ma. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
   De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada, mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
  O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guer­reiro, sentida da mágoa que causara.
  A mão que rápida ferira estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando con­sigo a ponta farpada.
 O guerreiro falou:
 Quebras comigo a flecha da paz?
 Quem te ensinou, guerreiro branco, a linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro guerrei­ro como tu?
 Venho de bem longe, filha das florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.
   Bem-vindo seja o estrangeiro aos cam­pos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de Iracema.
ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Ática, 1997.
Pergunta:
Iracema encontra-se em comunhão com o cenário em que vive. A harmonia, entre­tanto, é rompida com a chegada do guer­reiro branco. Levando em consideração os ideais românticos indianistas e nacionalis­tas de José de Alencar, o que simboliza a chegada do guerreiro branco?
Resposta:
A chegada do guerreiro branco simboli­za o fim da pureza paradisíaca da América e o encontro entre as duas civilizações: a europeia e a indígena.

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