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quarta-feira, 11 de outubro de 2017

MAM, Queer Museu, Intelectuais e Educação: uma questão de arte apenas?

Precisamos falar sobre o caso do MAM, mas também precisamos falar sobre educação.
O economista e filósofo Joel Pinheiro da Fonseca abordou, em texto publicado pela Folha (10/10/2017), as "duas morais" que parecem estar em conflito no caso da performance realizada no MAM, de São Paulo, e que contava com um artista nu que fazia uma releitura da obra "O bicho", de Lygia Clark. Para o articulista, há dois universos em jogo: o da classe artística e o da classe média brasileiras. Os artistas não "suportariam" críticas, pois sempre as consideram como "ofensa"; enquanto a classe média não se importaria com a "arte", mas com a defesa do "bem-estar" da criança ante uma questão de sexualização precoce.
Diante desse quadro, há dois pontos que me parecem urgentes: os "intelectuais" e a "questão da educação". 
Os intelectuais parecem, por vezes, esquecer que há um mundo para fora da "bolha" em que vivem. As pesquisas que pouco ou nada dizem sobre a sociedade em geral ou que não conseguem/ não querem sair dos limites do mundo universitário e pós-graduado para assumir o essencial fator de extensão à comunidade são a tônica dessas intervenções. Dessa forma, os novos olhares sobre as questões humanas -- sociais, filosóficas ou artísticas (para ficar no ramo que mais conheço) -- não chegam ao grande público e, portanto, não fazem parte de uma discussão, de uma percepção e de um letramento amplos e democráticos. Na verdade, o que normalmente vemos é um grupo escrevendo, publicando e interagindo com as pessoas desse mesmo grupo que, por isso mesmo, quase sempre aplaudem de forma irrestrita o que é apresentado (haja vista, por exemplo, as defesas de dissertações e teses nas universidades brasileiras, que raramente conseguem ultrapassar os muros do metaconhecimento).
Disso vem a segunda questão: a educação. Se queremos que nossos valores de arte e cidadania sejam compreendidos pelo grande público, precisamos fazer com que a educação seja um valor. Não apenas a educação formal, mas a informal também. Como podemos fazer com que se entenda a arte contemporânea e conceitual se não ousarmos sair de nossos grupinhos e assumirmos que pode (não que deve, necessariamente) haver uma pedagogia e uma didática da arte?
Ainda que seja fundamental o "choque" e o "desconforto" para muitas estéticas contemporâneas, não estamos sendo razoáveis quando esperamos que o público médio "saiba" do que está falando quando não há uma educação para o choque e o desconforto. Mal comparando, é como se quiséssemos que uma criança pulasse a fase do engatinhar e fosse direto para o caminhar. Queimando etapas, teremos mais problemas do que soluções.
Apenas como ilustração, sou professor de Linguagens e Códigos em três colégios. Estamos, nessas últimas semanas, falando sobre arte moderna, de vanguarda e contemporânea. trabalho em colégios cujo público-alvo é de classe média e tem poder aquisitivo relativamente alto. Mesmo assim, mesmo com cautela, mesmo sem questionar valores culturais e morais os mais conservadores possíveis, há uma dificuldade extrema em fazê-los compreender o espelhamento da arte, a dificuldade em definir seus limites, o debate estético etc. etc. etc. Quando saio da sala de aula e percebo que eles estão questionando o olhar que eles têm sobre as coisas, sinto-me com o dever cumprido. Mas quantos são os que podem, gradualmente, serem levados a repensar o olhar no "mundo real"? 
Daí meu ponto: não podemos ignorar que o grande público tenha ressalvas ao que ele entende como "ataque moral", por isso devemos ter uma postura mais atuante na sociedade, escapando um pouco dos olhares que sempre nos cumprimentam pelo que fazemos, e sendo mais didáticos e ativos socialmente; ao mesmo tempo, não podemos tolerar que essa questão estética seja transformada em uma briga política cega de ódio. 
É necessário levar ao questionamento de si, a fim de que sejamos pessoas que compreendem melhor os outros e o entorno de nós mesmos, mas, de preferência, devemos entender que se não levarmos em consideração nossa audiência, podemos naufragar em bons propósitos que se tornaram inúteis do ponto de vista prático.