PROF. VALMIR LUIS
Galerinha, tudo bem? Montei um roteiro para entendermos, para a prova, a
poética e a temática essenciais de Pessoa (Alberto Caeiro) e Bandeira. Abaixo,
os nomes dos poemas, mais abaixo ainda, links e poemas das obras "Poemas
completos de Alberto Caeiro" e "Libertinagem".
Bom divertimento.
___________
Poemas completos de Alberto Caeiro
Poemas essenciais
I,
II, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XXVIII, XXXII, XXXIX, XLII, XLVII
______
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/pe000001.pdf (alberto
caeiro)
O
Guardador de Rebanhos
Alberto
Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)
(Fonte:
http://www.cfh.ufsc.br/~magno/guardador.htm)
I - Eu
Nunca Guardei Rebanhos
Eu nunca
guardei rebanhos,
Mas é
como se os guardasse.
Minha
alma é como um pastor,
Conhece o
vento e o sol
E anda
pela mão das Estações
A seguir
e a olhar.
Toda a
paz da Natureza sem gente
Vem
sentar-se a meu lado.
Mas eu
fico triste como um pôr de sol
Para a
nossa imaginação,
Quando
esfria no fundo da planície
E se
sente a noite entrada
Como uma
borboleta pela janela.
Mas a
minha tristeza é sossego
Porque é
natural e justa
E é o que
deve estar na alma
Quando já
pensa que existe
E as mãos
colhem flores sem ela dar por isso.
Como um
ruído de chocalhos
Para além
da curva da estrada,
Os meus
pensamentos são contentes.
Só tenho
pena de saber que eles são contentes,
Porque,
se o não soubesse,
Em vez de
serem contentes e tristes,
Seriam
alegres e contentes.
Pensar
incomoda como andar à chuva
Quando o
vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho
ambições nem desejos
Ser poeta
não é uma ambição minha
É a minha
maneira de estar sozinho.
E se
desejo às vezes
Por
imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o
rebanho todo
Para
andar espalhado por toda a encosta
A ser
muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só
porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando
uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre
um silêncio pela erva fora.
Quando me
sento a escrever versosOu, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo
versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um
cajado nas mãos
E vejo um
recorte de mim
No cimo
dum outeiro,
Olhando
para o meu rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou
olhando para as minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E
sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer
fingir que compreende.
Saúdo
todos os que me lerem,
Tirando-lhes
o chapéu largo
Quando me
vêem à minha porta
Mal a
diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os
e desejo-lhes sol,
E chuva,
quando a chuva é precisa,
E que as
suas casas tenham
Ao pé
duma janela aberta
Uma
cadeira predileta
Onde se
sentem, lendo os meus versos.
E ao
lerem os meus versos pensem
Que sou
qualquer cousa natural —
Por
exemplo, a árvore antiga
À sombra
da qual quando crianças
Se
sentavam com um baque, cansados de brincar,
E
limpavam o suor da testa quente
Com a
manga do bibe riscado.
II - O
Meu Olhar
O meu
olhar é nítido como um girassol.
Tenho o
costume de andar pelas estradas
Olhando
para a direita e para a esquerda,
E de, vez
em quando olhando para trás...
E o que
vejo a cada momento
É aquilo
que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei
dar por isso muito bem...
Sei ter o
pasmo essencial
Que tem
uma criança se, ao nascer,
Reparasse
que nascera deveras...
Sinto-me
nascido a cada momento
Para a
eterna novidade do Mundo...
Creio no
mundo como num malmequer,
Porque o
vejo.Mas não penso nele
Porque
pensar é não compreender ...
O Mundo
não se fez para pensarmos nele
(Pensar é
estar doente dos olhos)
Mas para olharmos
para ele e estarmos de acordo...
Eu não
tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo
na Natureza não é porque saiba o que ela é,Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque
quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe
por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a
eterna inocência,
E a única
inocência não pensar...
V - Há
Metafísica Bastante em Não Pensar em Nada
Há
metafísica bastante em não pensar em nada.
O que
penso eu do mundo?
Sei lá o
que penso do mundo!
Se eu
adoecesse pensaria nisso.
Que idéia
tenho eu das cousas?
Que
opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho
eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a
criação do Mundo?
Não
sei.Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não
pensar. É correr as cortinas
Da minha
janela (mas ela não tem cortinas).
O
mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único
mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está
ao sol e fecha os olhos,
Começa a
não saber o que é o sol
E a
pensar muitas cousas cheias de calor.Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não
pode pensar em nada,
Porque a
luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos
os filósofos e de todos os poetas.
A luz do
sol não sabe o que faz
E por
isso não erra e é comum e boa.
Metafísica?
Que metafísica têm aquelas árvores?
A de
serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de
dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós,
que não sabemos dar por elas.
Mas que
melhor metafísica que a delas,
Que é a
de não saber para que vivem
Nem saber
que o não sabem?
"Constituição
íntima das cousas"...
"Sentido
íntimo do Universo"...
Tudo isto
é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É
incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como
pensar em razões e fins
Quando o
começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago
ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no
sentido íntimo das cousas
É
acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar
um copo à água das fontes.
O único
sentido íntimo das cousas
É elas
não terem sentido íntimo nenhum.
Não
acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele
quisesse que eu acreditasse nele,
Sem
dúvida que viria falar comigo
E
entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me,
Aqui estou!
(Isto é
talvez ridículo aos ouvidos
De quem,
por não saber o que é olhar para as cousas,
Não
compreende quem fala delas
Com o
modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se
Deus é as flores e as árvores
E os
montes e sol e o luar,
Então
acredito nele,
Então
acredito nele a toda a hora,
E a minha
vida é toda uma oração e uma missa,
E uma
comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se
Deus é as árvores e as flores
E os
montes e o luar e o sol,
Para que
lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe
flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque,
se ele se fez, para eu o ver,
Sol e
luar e flores e árvores e montes,
Se ele me
aparece como sendo árvores e montesE luar e sol e flores,
É que ele
quer que eu o conheça
Como
árvores e montes e flores e luar e sol.
E por
isso eu obedeço-lhe,
(Que mais
sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe
a viver, espontaneamente,
Como quem
abre os olhos e vê,
E
chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o
sem pensar nele,
E penso-o
vendo e ouvindo,
E ando
com ele a toda a hora.
VI -
Pensar em Deus
Pensar em
Deus é desobedecer a Deus,
Porque
Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso
se nos não mostrou...
Sejamos
simples e calmos,
Como os
regatos e as árvores,
E Deus
amar-nos-á fazendo de nós
Belos
como as árvores e os regatos,
E
dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio
aonde ir ter quando acabemos! ...
VII - Da
Minha Aldeia
Da minha
aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso
a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu
sou do tamanho do que vejo
E não, do
tamanho da minha altura...
Nas
cidades a vida é mais pequena
Que aqui
na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade
as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem
o horizonte, empurram o nosso olhar para longe
de todo o
céu,
Tornam-nos
pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos
nos podem
dar,
E
tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver.
VIII -
Num Meio-Dia de Fim de Primavera
Num
meio-dia de fim de primavera
Tive um
sonho como uma fotografia.
Vi Jesus
Cristo descer à terra.
Veio pela
encosta de um monte
Tornado
outra vez menino,
A correr
e a rolar-se pela erva
E a
arrancar flores para as deitar foraE a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha
fugido do céu.
Era nosso
demais para fingir
De
segunda pessoa da Trindade.
No céu
era tudo falso, tudo em desacordo
Com
flores e árvores e pedras.
No céu
tinha que estar sempre sério
E de vez
em quando de se tornar outra vez homem
E subir
para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma
coroa toda à roda de espinhos
E os pés
espetados por um prego com cabeça,
E até com
um trapo à roda da cintura
Como os
pretos nas ilustrações.
Nem
sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as
outras crianças.
O seu pai
era duas pessoas
Um velho
chamado José, que era carpinteiro,
E que não
era pai dele;
E o outro
pai era uma pomba estúpida,
A única
pomba feia do mundo
Porque
não era do mundo nem era pomba.
E a sua
mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era
mulher: era uma mala
Em que
ele tinha vindo do céu.
E queriam
que ele, que só nascera da mãe,
E nunca
tivera pai para amar com respeito,
Pregasse
a bondade e a justiça!
Um dia
que Deus estava a dormir
E o
Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à
caixa dos milagres e roubou três.
Com o
primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo
criou-se eternamente humano e menino.
Com o
terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E
deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve
de modelo às outras.
Depois
fugiu para o sol
E desceu
pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive
na minha aldeia comigo.
É uma
criança bonita de riso e natural.
Limpa o
nariz ao braço direito,
Chapinha
nas poças de água,
Colhe as
flores e gosta delas e esquece-as.
Atira
pedras aos burros,
Rouba a
fruta dos pomares
E foge a
chorar e a gritar dos cães.
E, porque
sabe que elas não gostam
E que
toda a gente acha graça,
Corre
atrás das raparigas pelas estradas
Que vão
em ranchos pela estradas
com as
bilhas às cabeçasE levanta-lhes as saias.
A mim
ensinou-me tudo.
Ensinou-me
a olhar para as cousas.
Aponta-me
todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me
como as pedras são engraçadas
Quando a
gente as tem na mão
E olha
devagar para elas.
Diz-me
muito mal de Deus.
Diz que
ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a
escarrar no chão
E a dizer
indecências.
A Virgem
Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o
Espírito Santo coça-se com o bico
E
empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no
céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me
que Deus não percebe nada
Das
coisas que criou —
"Se
é que ele as criou, do que duvido" —
"Ele
diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os
seres não cantam nada.
Se
cantassem seriam cantores.
Os seres
existem e mais nada,
E por
isso se chamam seres."
E depois,
cansados de dizer mal de Deus,
O Menino
Jesus adormece nos meus braços
E eu
levo-o ao colo para casa.
.............................................................................
Ele mora
comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a
Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o
humano que é natural,
Ele é o
divino que sorri e que brinca.
E por
isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é
o Menino Jesus verdadeiro.
E a
criança tão humana que é divina
É esta
minha quotidiana vida de poeta,
E é
porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o
meu mínimo olhar
Me enche
de sensação,
E o mais
pequeno som, seja do que for,
Parece
falar comigo.
A Criança
Nova que habita onde vivo
Dá-me uma
mão a mim
E a outra
a tudo que existe
E assim
vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando
e cantando e rindo
E gozando
o nosso segredo comum
Que é o
de saber por toda a parte
Que não
há mistério no mundo
E que
tudo vale a pena.A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção
do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu
ouvido atento alegremente a todos os sons
São as
cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos
tão bem um com o outro
Na
companhia de tudo
Que nunca
pensamos um no outro,
Mas
vivemos juntos e dois
Com um
acordo íntimo
Como a
mão direita e a esquerda.
Ao
anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau
da porta de casa,
Graves
como convém a um deus e a um poeta,
E como se
cada pedra
Fosse
todo um universo
E fosse
por isso um grande perigo para ela
Deixá-la
cair no chão.
Depois eu
conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele
sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos
reis e dos que não são reis,
E tem
pena de ouvir falar das guerras,
E dos
comércios, e dos navios
Que ficam
fumo no ar dos altos-mares.
Porque
ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma
flor tem ao florescer
E que
anda com a luz do sol
A variar
os montes e os vales,
E a fazer
doer nos olhos os muros caiados.
Depois
ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao
colo para dentro de casa
E
deito-o, despindo-o lentamente
E como
seguindo um ritual muito limpo
E todo
materno até ele estar nu.
Ele dorme
dentro da minha alma
E às
vezes acorda de noite
E brinca
com os meus sonhos.
Vira uns
de pernas para o ar,
Põe uns
em cima dos outros
E bate as
palmas sozinho
Sorrindo
para o meu sono.
......................................................................
Quando eu
morrer, filhinho,
Seja eu a
criança, o mais pequeno.
Pega-me
tu ao colo
E leva-me
para dentro da tua casa.
Despe o
meu ser cansado e humano
E
deita-me na tua cama.
E
conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu
tornar a adormecer.E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que
nasça qualquer dia
Que tu
sabes qual é.
.....................................................................
Esta é a
história do meu Menino Jesus.
Por que
razão que se perceba
Não há de
ser ela mais verdadeira
Que tudo
quanto os filósofos pensam
E tudo
quanto as religiões ensinam?
IX - Sou
um Guardador de Rebanhos
Sou um
guardador de rebanhos.
O rebanho
é os meus pensamentos
E os meus
pensamentos são todos sensações.
Penso com
os olhos e com os ouvidos
E com as
mãos e os pés
E com o
nariz e a boca.
Pensar
uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer
um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso
quando num dia de calor
Me sinto
triste de gozá-lo tanto.
E me
deito ao comprido na erva,
E fecho
os olhos quentes,
Sinto
todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a
verdade e sou feliz.
X - Olá,
Guardador de Rebanhos
"Olá,
guardador de rebanhos,
Aí à
beira da estrada,
Que te
diz o vento que passa?"
"Que
é vento, e que passa,
E que já
passou antes,
E que
passará depois.
E a ti o
que te diz?"
"Muita
cousa mais do que isso.
Fala-me
de muitas outras cousas.
De
memórias e de saudades
E de
cousas que nunca foram."
"Nunca
ouviste passar o vento.
O vento
só fala do vento.
O que lhe
ouviste foi mentira,
E a
mentira está em ti."
XI -
Aquela Senhora tem um Piano
Aquela
senhora tem um piano
Que é
agradável mas não é o correr dos rios
Nem o
murmúrio que as árvores fazem ...
Para que
é preciso ter um piano?
O melhor
é ter ouvidos
E amar a
Natureza.
XXVIII -
Li Hoje
Li hoje
quase duas páginas
Do livro
dum poeta místico,
E ri como
quem tem chorado muito.Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os
filósofos são homens doidos.
Porque os
poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem
que as pedras têm alma
E que os
rios têm êxtases ao luar.
Mas
flores, se sentissem, não eram flores,
Eram
gente;
E se as
pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram pedras;
E se os
rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios
seriam homens doentes.
É preciso
não saber o que são flores e pedras e rios
Para
falar dos sentimentos deles.
Falar da
alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar
de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a
Deus que as pedras são só pedras,
E que os
rios não são senão rios,
E que as
flores são apenas flores.
Por mim,
escrevo a prosa dos meus versos
E fico
contente,
Porque
sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a
compreendo por dentro
Porque a
Natureza não tem dentro;
Senão não
era a Natureza.
XXXII -
Ontem à Tarde
Ontem à
tarde um homem das cidades
Falava à
porta da estalagem.
Falava
comigo também.
Falava da
justiça e da luta para haver justiça
E dos
operários que sofrem,
E do
trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos
ricos, que só têm costas para isso.
E,
olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu
com agrado, julgando que eu sentia
O ódio
que ele sentia, e a compaixão
Que ele
dizia que sentia.
(Mas eu
mal o estava ouvindo.
Que me
importam a mim os homens
E o que
sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam
como eu — não sofrerão.
Todo o
mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros,
Quer para
fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa
alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer
mais é perder isto, e ser infeliz.)
Eu no que
estava pensando
Quando o
amigo de gente falava(E isso me comoveu até às lágrimas),
Era em
como o murmúrio longínquo dos chocalhos
A esse
entardecer
Não
parecia os sinos duma capela pequenina
A que
fossem à missa as flores e os regatos
E as
almas simples como a minha.
(Louvado
seja Deus que não sou bom,
E tenho o
egoísmo natural das flores
E dos
rios que seguem o seu caminho
Preocupados
sem o saber
Só com
florir e ir correndo.
É essa a
única missão no Mundo,
Essa —
existir claramente,
E saber
faze-lo sem pensar nisso.
E o homem
calara-se, olhando o poente.
Mas que
tem com o poente quem odeia e ama?
XXXIX - O
Mistério das Cousas
O
mistério das cousas, onde está ele?
Onde está
ele que não aparece
Pelo
menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe
o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que
não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre
que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como
um regato que soa fresco numa pedra.
Porque o
único sentido oculto das cousas
É elas
não terem sentido oculto nenhum,
É mais
estranho do que todas as estranhezas
E do que
os sonhos de todos os poetas
E os
pensamentos de todos os filósofos,
Que as
cousas sejam realmente o que parecem ser
E não
haja nada que compreender.
Sim, eis
o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As cousas
não têm significação: têm existência.
As cousas
são o único sentido oculto das cousas.
XLII -
Passou a Diligência
Passou a
diligência pela estrada, e foi-se;
E a
estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia.
Assim é a
ação humana pelo mundo fora.
Nada
tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos;
E o sol é
sempre pontual todos os dias.
XLVII -
Num Dia Excessivamente Nítido
Num dia
excessivamente nítido,
Dia em
que dava a vontade de ter trabalhado muito
Para nele
não trabalhar nada,
Entrevi,
como uma estrada por entre as árvores,
O que
talvez seja o Grande Segredo,
Aquele
Grande Mistério de que os poetas falsos falam.
Vi que
não há Natureza,
Que
Natureza não existe,
Que há
montes, vales, planícies,
Que há
árvores, flores, ervas,
Que há
rios e pedras,
Mas que
não há um todo a que isso pertença,
Que um
conjunto real e verdadeiro
É uma
doença das nossas idéias.
A
Natureza é partes sem um todo.
Isto é
talvez o tal mistério de que falam.
Foi isto
o que sem pensar nem parar,
Acertei
que devia ser a verdade
Que todos
andam a achar e que não acham,
E que só
eu, porque a não fui achar, achei.